
Em tempos tinha lido um comentário aos dois primeiros romances de Murakami (
Norwegian Woods e
Sputnik Meu Amor) que suscitou a minha curiosidade, mas até à data ainda não tinha tido oportunidade de ler nada deste Senhor. Mas eis que me ofereceram a última obra de Murakami:
Kafka à Beira-Mar.
Com uma dedicatória absolutamente deliciosa e uma capa que me faz lembrar um gato que conheci em tempos, foi ficando lá por casa, tranquilamente à espera.
Acho que tenho uma ligação estranha com os livros... é como se as suas capas falassem comigo... há livros que sei que vou ler, compro-os mas quando chego a casa e os tiro do saco, "olhamo-nos" e... aí decido qual é que vou ler, ou se marcamos o nosso encontro para outro dia.
Ao longo dos anos o meu relacionamento com os livros tem vindo a intensificar-se: aos 18 anos apenas tinha lido
O Diário de Anne Frank; depois com a faculdade desenvolvi uma capacidade engraçada de ler mais de 2 livros em simultâneo (muitas vezes 3 ou 4) e horas a fio; mais recentemente apercebi-me que cada livro é como um ritual para mim, com um espaço muito próprio. Assim, acontece muitas vezes eu comprar um livro e ao chegar a casa guardo-o. Ou porque estou a ler outro ou muito simplesmente porque não é chegado o momento de "conversarmos". Parece uma coisa estranha, eu sei e nem eu própria o sei explicar, é certo... mas o prazer que hoje em dia retiro dos meus momentos de leitura é absolutamente indescritível.
Bom, após 5 meses de espera, olhei-o e, apesar de não me estar a apetecer ler nada de muito longo, e 600 páginas sempre são 600 páginas, não lhe resisti.
Chegara o "nosso"momento! Este foi o timing certo, porque estou sossegada, feliz, com os fantasmas "arrumados" no seu devido sítio e por isso capaz de absorver e entender tudo o que "o mundo" tiver para me contar!
Kafka à Beira Mar, é uma história que tem tanto de trágico como de uma transbordante esperança no ser humano.
Com uma escrita absolutamente cativante, Murakami tem como ponto de partida 2 histórias aparentemente paralelas, a de um sexagenário e a de um adolescente de 15 anos, ambos extravagantes. O sexagenário consegue falar com gatos e é desprovido de qualquer tipo de raciocínio lógico devido a um acidente no tempo da guerra com E.U.A.. O rapaz tem um grave problema de identidade que o leva a fugir de casa e cujo único amigo e confidente é um amigo imaginário "o rapaz chamado o corvo" que não passa de um prolongamento dele mesmo.
A ficção está carregada de situações bizarras, como uma prostituta que descute Hegel enquanto faz sexo com um cliente, ou um homem que come os corações dos gatos enquanto ainda batem, tendo pelo meio um misterioso assassinato, mas a narrativa está desenvolvida de uma forma tão intrigante, tão inteligente que uma vez começado a saber um pouco mais sobre estas duas personagens é impossível parar de ler.
(Para mim foi-o de tal forma que se li as primeiras 250 páginas em dois pequenos serões, as restantes 400 li ontem todo o santo dia.)
No final, podem tirar-se muitas conclusões, porque todas as histórias bem escritas têm o condão de tocar as pessoas de forma diversa.
"Na parte que me toca" (esta frase é usada inúmeras vezes ao longo do livro!) a máxima que retiro deste livro vem apenas reforçar algo em que acredito piamente desde há já alguns anos a esta parte: não importa as tragédias a que a vida nos sujeita ou que infligimos a nós mesmos, a opção crescermos e de aprendermos, está lá e é sempre nossa!