19 outubro 2006

A algumas mulheres...


















(Foto olhares.com)



Na esquina do costume,

Jaz aquela mesma mulher, a mesma de sempre, vendo passar a vida.

Uma vida suspensa no tempo,

Uma vida que é tão-somente o prenúncio da morte.

É na esquina do costume que, noite após noite, ela espera.

Com o olhar distante,

Espera que o sonho de menina estrangule aquele horror gélido,

Um horror permanente, latente, que a assola em todas as eternas madrugadas,

Um horror que ela mascara com o seu pálido sorriso.

Raiva. Asco.

Um amor-próprio perdido para sempre.

Contra o candeeiro do costume,

A mente ausente, ela encosta o seu corpo inerte.

Vai pensando no homem que apenas satisfaz o vício,

Ou no homem que em vão tenta iludir a ânsia por afecto,

Vai lembrando toda essa gente perdida, sem alma,

Que entra em si sem pedir licença e lhe deixa um travo amargo a solidão.

As pernas fraquejam e sente-se fora de si, exausta.

De repente é como se voltasse a ser menina e a ter medo,

Mas não há cama, nem canto do quarto onde se esconder…

Há apenas aquele velho candeeiro, que noite após noite a ampara,

Quase lhe trazendo aquele outro conforto esquecido.

Um tremor nostálgico trespassa-a.

Uma saudade vadia frustra-lhe os movimentos.

Quis fugir, mas já não é capaz.

A velha mulher do costume, já não é a mesma de sempre,

Já não é sequer dona de si.

Ela já não sente… já não sonha… já não vive.

11 outubro 2006

Viagem Efémera (Set 95)












(foto olhares.com)


Era um fim de tarde cinzento,

onde bailava uma brisa muito ténue.

Ténue como o canto de um rouxinol;

O rouxinol parou de cantar.

E foi então, ouvindo o nada que ficou, que aspirei ser tudo:

quis espraiar-me pela natureza e ser árvore e ser sol

e ser ave dourada sob o resquício do Verão...

Voei. Voei e perdi-me na lembrança desse sonho.

Perdi-me na vontade súbita de ser algo num sítio qualquer...

Perdi-me na emocionante ideia de ser

presa e predador, fogo e orvalho;

de ser o relâmpago que fulmina a árvore mais antiga;

de ser a água turbulenta que abraça barcos, pescadores e casas;

na emocionante ideia de ser as intempéries que devoram o porto ancestral;

O rouxinol cantou.

Canta agora o doce canto das fadas denunciando a magia que paira no ar.

E lá vai Um, e Dois, Três duendes a dançar.

E eis que desaparece o Um,

e cai o Dois

e foge o Três, no seu cavalo branco a voar!

Sonhei um belo dia a doçura suave da tenra folha de plátano,

que flutua pelos ares outonais, até ir ternamente acariciar a relva côr-de- ouro...

Sonhei, voei, vivi...